- outubro 15, 2024
- Pr. Válter Sales
Ousa-se duvidar quando não se sabe ou se quer sair pela tangente… René Descartes duvidou metodicamente. É sábio fazê-lo. É prudência. É “bereano” – nobre – (At 17.11). Mas há quem duvide pelo simples hábito de falar de tudo, com ou sem conhecimento.
A dúvida pode ocorrer como fuga, por falta de coragem moral para enfrentar a verdade. É apanágio da dissimulação, que age ou nas sombras ou por tabela.
Uma transferência sutil de responsabilidade também pode atestar incapacidade moral. É confortável que não mirem nossos erros; que vejam, preferencialmente, as falhas dos outros.
Transferir culpa seria uma “vontade dissimulada pela máscara do pensamento”. Assim transita a vida, sorrateira, deslizante, na esteira dos sofismas. Jesus, decerto, viu isto em sua equipe.
O teatro também se faz de interpretação. Não se restringe às palavras, mas à entonação, que lhe dá intenção e verossimilhança; mas é teatro.
A palavra é a articulação, o sentimento, a intenção, o propósito e (enfeixe-se aí) o desvio. Mas não se dissocia de seu caráter moral. Tudo de fronteira muito sutil.
– “Porventura, sou eu?”. Denota alguma dúvida. E cada discípulo se manifestava, “um após outro” (Mc 14.19).
Talvez não estivessem tão seguros de si. O estado de espírito que fomenta a pergunta pode denunciar dúvida ou insegurança.
Não basta saber de si. É preciso saber em si. No primeiro caso, é possível encenar; no segundo, testa-se a interioridade; se há verdade na articulação. Foi o teste imposto a Pedro (Jo 21.15-22; cf. 1Jo 4.18a).
O autoexame é necessário e se sobrepõe a qualquer dúvida ou julgamento (1Co 11.28). É aí que se detecta a verdade que se afirma ou a inverdade que se desmoraliza.
Ao que parece, no processo de formação do caráter cristão, àquela altura, os discípulos não estavam tão seguros. Há insegurança restante sempre que um indivíduo humano fia-se em si (Mt 26.33, 35; Lc 22.33; cf. Pv 3.5; 28.26).
Pedro deve ter relembrado esse momento, quando escreveu 1Pe 2.1-3 e 2Pe 3.17, 18. Dúvida e certeza não se coadunam.
